Um passeio pré-histórico na Chapada Diamantina
Alexandre Reis
Quando programamos uma viagem para a Chapada Diamantina, logo pensamos em conhecer ou revisitar belas paisagens, como aquela do alto do Morro do Pai Inácio, em Palmeiras. Claro, as cachoeiras não podem ficar de fora, principalmente as mais incríveis, tal qual a do Buracão, em Ibicoara. Tem ainda as festas tradicionais, a exemplo do agitado São João de Mucugê. Ou as cidades históricas, tipo a charmosa Rio de Contas. Mas o que acha de incluir em um roteiro à região um passeio pré-histórico?
Pertinho de Lençóis, a cidade mais visitada da chapada, existe um atrativo pouco conhecido até mesmo dos baianos – e ignorado pela maioria dos guias turísticos – que é um verdadeiro museu a céu aberto com registros humanos datados de antes da invenção da escrita. Trata-se da Serra das Paridas, que integra um complexo arqueológico repleto de pinturas rupestres de milhares de anos catalogadas por pesquisadores e estudiosos (confira vídeo acima).
Entre as pinturas mais interessantes e misteriosas está uma que lembra o alienígena personagem do filme E.T, O Extraterrestre, dirigido por Steven Spielberg em 1982 – para alguns pesquisadores, pode tratar-se do registro de um animal chamado Eremutherium, um tipo de preguiça gigante. No entanto, os ufologistas e místicos que perambulam pela chapada, que não são poucos, têm certeza que estão diante de genuíno registro feito por nossos antepassados de um visitante de fora do planeta.
Como propaganda e bom-humor são importantes até mesmo para atrair audiência a uma galeria pré-histórica, o complexo colocou uma imagem do ET do filme de Spielberg em tamanho real logo depois da entrada principal, um pouco antes do estacionamento, em que há outra parada imperdível para fotos: painéis com figuras em tamanho real que sintetizam a evolução do homem, desde o primata até o homo sapiens (no caso, nós), passando por antepassados como o Neandertal, com quem chegamos a conviver há alguns milhares de anos.
Chegando ao complexo
A Serra das Paridas fica a 35km do centro de Lençóis, sendo 20km de estrada asfaltada (rodovia BR-242) até o distrito de Tanquinho (no sentido Andaraí) e o restante sem pavimentação, no mesmo trajeto que também leva à cachoeira do Mosquito (é possível visitar os dois atrativos em um dia tranquilamente, utilizando qualquer veículo e sem necessidade de guia da cidade). Todo o percurso é bem sinalizado, com placas.
O ingresso para a Serra das Paridas custa R$25 por pessoa e mais R$50 do guia que toma conta do complexo (negociável para grupos). As taxas servem para manter o espaço, que não recebe recursos públicos, em funcionamento. O estacionamento é amplo, sem cobrança de taxa adicional. O guardião e condutor é Renato Hayne (75 99631269), que conhece bem a história do complexo e as características das pinturas contidas em 18 sítios. O visitante tem acesso apenas a seis abrigos de um desses sítios, com cerca de mil desenhos, numa caminhada leve de 300 metros com subidas e descidas em volta de galerias rochosas.
Antes da caminhada, Hayne convida os visitantes a sentar num banco rústico que fica próximo à lojinha de suvenir feita de pedra, que também é a recepção e parada do café, para fazer uma apresentação sobre a Serra das Paridas. Ele conta que as pinturas foram descobertas em 2005, enquanto um grupo, incluindo o próprio guardião, coletava mangaba na área após clarões serem abertos na vegetação por um incêndio devastador – as mangabeiras são resistentes ao fogo. Ao se depararem com as pinturas, o arqueólogo e professor da Universidade Federal da Bahia Carlos Alberto Etchevarne foi chamado. A partir daí o local passou a atrair outros pesquisadores, inclusive de fora do país.
Registros diversos
Uma equipe liderada por Etchevarne, que é do Museu de Arqueologia e Etnologia da Ufba e escreveu um livro sobre a Serra das Paridas (Escrito na Pedra), fez o trabalho de pesquisa e catalogação das pinturas. Não foram encontrados fósseis de seres humanos, mas, além dos desenhos, os pesquisadores se depararam com vários registros da presença de irmãos mais velhos, a exemplo de vestígios de materiais cortantes feitos com lascas de pedra ou de madeira e até de pedaços de rochas que não existiam na Serra das Paridas e foram levadas para lá pelo homem.
No principal abrigo pesquisado foi instalada uma representação feita com painéis em tamanho real de dois homens da pré-história sentados em volta do que seria uma fogueira, com utensílios da época. Durante o passeio, Renato Hayne explica de onde nossos antepassados extraíam pigmentos coloridos para as pinturas (a exemplo dos retirados do sílex, um tipo de rocha), aponta locais em que os homens das cavernas teriam se abrigado para se proteger das intempéries e dos perigos naturais e, claro, analisa as pinturas, que são de diversos tipos.
As pinturas revelam formas geométricas e o que seriam animais, movimentos de caça e pesca e até mulheres de cócoras em posição de dar a luz, daí uma das explicações para o nome Serra das Paridas. Como os desenhos foram produzidos com pigmentos minerais e não orgânicos, não foi possível datá-los pelo método do carbono 14. As datações foram feitas nos restos de fogueira, comprovando a presença humana na Serra das Paridas há pelo menos 8 mil anos. Durante o percurso pelas pinturas, algumas placas informam o visitante sobre características pré-históricas do lugar.
O som do xique-xique
Como o passeio acontece subindo e descendo por trilhas, o visitante pode apreciar um visual de parte dos morros da chapada, além de conhecer um pouco mais da vegetação da região, onde se encontram muitas mangabeiras e outras plantas típicas, a exemplo de bromélias, sempre-vivas e pés de xique-xique. Aliás, um dos pontos altos do passeio é quando Renato Hayne extrai, com uma das mãos, o “som” que produz o xique-xique (confira o vídeo acima), que dá origem a pratos saborosos da culinária local.
Pinturas em outros cantos
O território da Chapada Diamantina formou-se há quase 2 bilhões de anos, com altitudes que estão entre as maiores do Nordeste brasileiro e uma enorme riqueza ambiental, cultural, histórica e, claro, pré-histórica. A Serra das Paridas não é o único local na região cuja importância é reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em que o visitante pode encontrar pinturas ou grafismos rupestres.
Perto de Lençóis, por exemplo, está a Gruta da Lapa do Sol, classificada como um abrigo do homem pré-histórico. A formação geológica guarda pinturas, motivos geométricos, além de mãos registradas em diferentes períodos (como se nossos antepassados desejassem dizer que estiveram ali).
Em Palmeiras, as pinturas rupestres estão na Serra Negra e no sítio arqueológico do Matão. Em Ibicoara, na parte sul da Chapada, os registros foram encontrados na comunidade da Raposa – só pode ir com guia. Em Piatã, a cidade mais fria da região, desenhos de até 12 mil anos podem ser vistos na Serra do Gentio.